Distintas e variadas são as tipologias de Bens que ao longo dos anos foram constituindo os núcleos temáticos reunidos neste emblemático Museu Nacional.
A sua existência corrobora e dá expressividade à nossa conjetura de que “nem tudo são Coches”!!
Muitas e diversificadas são as coleções de bens que, no contexto da equipagem e da picaria, se preservam e apresentam no Museu Nacional dos Coches.
Este mês destacamos um conjunto específico de bens que, inseridos na categoria dos atavios equestres, têm a denominação de GUALDRAPA.
Procurando melhor entender a funcionalidade destes adereços e, com rigor, encontrar o seu significado à luz de diferentes épocas, começamos por recuar 3 séculos onde na obra Vocabulário Portuguez Latino, Bluteau especifica:
GUALDRAPA, £ £ mantas, ou panno longo que fe põe à roda das fellas de quem monta em meias, em geral a trazem os Ecclefiaíticos nas fuás mulas.
BLUTEAU, Raphael, 1721
Após esta curiosa explicação, meio século mais tarde, a mesma tipologia de peças seria descrita no Dicionário da Língua Portugueza, da seguinte forma:
GUALDRAPA, Panno que fe poem fobre [sob]a fella&ancas da mulla, ou do cavallo, assim para ornato, como para guardar o cavaleiro dos falpicos do lod, do fuor & pelo da besta.
MORAIS, 1789, Vol II
No século XIX com uma descrição mais simplista, a peça é assim descrita:
GUALDRAPA. espécie de manta, que se estende debaixo da sela, pendendo dos lados.
CORDEIRO, JF, 1886
Neste sentido, de acordo com as descrições mencionadas, com a iconografia existente e naturalmente com as características formais destes bens, podemos aferir que as GUALDRAPAS são um atavio equestre composto por duas peças têxteis, atadas entre si.
Recortadas de forma simétrica e em espelho unem-se geralmente com atilhos de pano, sobre o dorso do equídeo. Desta forma, ajaezadas sob a sela, pendem lateralmente minimizando o contacto do cavaleiro com o equídeo.
Confecionadas manualmente com faixas estreitas de veludo, sedas ou espessas fazendas coloridas, são na generalidade adornadas com galões, aplicações de cetim, franjas e bordados cerzidos a fio de prata ou seda. No reverso, usualmente, as GUALDRAPAS são reforçadas com um forro mais resistente, em pano de estopa ou em cabedal fino.
Como demonstram diversas gravuras, presentes na famosa obra de Manuel Carlos de Andrade – Luz da Nobre e Leal Arte da Cavallaria, publicada em 1790, a utilização de GUALDRAPAS foi, ao longo da história, uma constante – em cerimónias e exibições exclusivas como cortejos reais, torneios equestres, ou espetáculos tauromáquicos onde, como refere Raphael Bluteau, em determinadas ocasiões, os cavaleiros trajados de gala montam “em meias”, equilibrados e protegidos com estribos de caixa.
A fotografia captada em 1892, pertencente às coleções do Museu, onde o Infante D. Afonso se apresenta momentos antes da realização do torneio do fio verde, corrobora e ilustra, mais uma vez, a funcionalidade deste curioso atavio equestre.
Rita Dargent
30 de Março de 2022
Retrato do Infante D. Afonso, 1892. MNC., Inv. 0131